Em Idanha-a-Nova, quase todas as pessoas abandonaram as terras, as pequenas aldeias ficaram praticamente vazias e a população é maioritariamente idosa. Ainda assim, há quem tenha ficado e queira preservar o património cultural da região. Há quem tenha criado projetos culturais tão inovadores que mereceram o reconhecimento internacional. E há até quem tenha trocado as cidades pelo mundo rural, reencontrando na Beira Baixa o tempo e o seu eu interior, enquanto nas grandes cidades muitos continuam à procura do sentido que as suas vidas perderam.

1. As adufeiras de Idanha-a-Nova

Não conhecia as Adufeiras do Rancho Etnográfico de Idanha-a-Nova. Ouvi-as a cantar e a tocar pela primeira vez quando visitei aquela vila beirã no passado fim-de-semana. Não estavam todas. Eram seis senhoras de meia-idade, vestidas com trajes tradicionais. Nas mãos, o típico adufe, um pandeiro quadrangular, no interior do qual são colocadas sementes ou caricas. Executado exclusivamente por mulheres, o adufe nunca deixou de ser tocado em Idanha desde que os árabes o introduziram na Península Ibérica, no século VIII. “Não queremos que as heranças dos nossos antepassados se percam” e eu olhei para aquelas mulheres, questionando-me quanto tempo mais resistiriam. Algo envergonhadas, aproveitando os adufes para esconder parcialmente os rostos, começaram a cantar e fizeram-no tão bem e com tanta genuinidade que eu sei que, enquanto o ser humano for capaz de se emocionar, elas nunca desistirão de cantar a herança milenar da sua terra.

Adufeiras do Rancho Etnográfico de Idanha-a-Nova. Segundo nos contaram, antigamente as mulheres (e sobretudo as raparigas solteiras) cantavam e tocavam o adufe desde o Sábado de Aleluia até às últimas romarias de Setembro. Tocavam quando os rapazes voltavam dos campos, nas festas locais, nos bailes e nas romarias.

Como ouvir as adufeiras

Nas festas e romarias de Idanha-a-Nova. É uma questão de ir espreitando a dinâmica agenda do município: www.idanha.pt/agenda/

2. Fora do Lugar

Quem se lembraria de criar um festival internacional de músicas antigas no interior de um país onde as pequenas aldeias estão quase desertas? Quem acreditaria que um evento alternativo, destinado a um público restrito, teria algum sucesso? O tenor Filipe Faria e Armindo Jacinto, Presidente da Câmara de Idanha-a-Nova, acreditaram. Convidaram artistas dos mais variados pontos do mundo e puseram-nos a atuar fora do lugar, isto é, não só no meio rural, mas também em espaços improváveis do município, como por exemplo: a Antiga Sé de Idanha-a-Velha; o Núcleo do Azeite – Lagares de Proença-a-Velha e até um hangar agrícola em funcionamento. Na sua 8ª edição, o Fora do Lugar – Festival Internacional de Músicas Antigas é, hoje, considerado um dos projectos culturais mais inovadores de Portugal e a sua qualidade reconhecida internacionalmente. Quem diria?

Primeiro concerto do Fora do Lugar 2019. À esquerda: o exterior da antiga Sé de Idanha-a-Velha. À direita: o grupo Alternative History a atuar no seu interior.

Como assistir ao festival

Em 2019, o Fora do Lugar começou no dia 22 de Novembro e prolongar-se-á até 7 de Dezembro. Nós assistimos ao primeiro concerto, pelos Alternative History – um grupo liderado pelo famoso tenor inglês, John Potter, e por três músicos da Suécia, Argentina e EUA. Para mim, foi um momento especial não só por ter tido lugar na aldeia histórica de Idanha-a-Velha – que nunca tinha visitado à noite; pelo cenário – o interior da Antiga Sé; e finalmente pela própria música – diferente e celestial, transportando-me para dimensões dentro de mim que não visitava há algum tempo.

A entrada em todos os concertos é gratuita e, além destes, há diversas atividades, como workshops com os músicos convidados, caminhadas na natureza, cinema documental, fotografia e exposições.

Mais informação em: www.artedasmusas.com/foradolugar

3. O Azeite Egitânea

“Aqui o tempo transforma-se” – diz-nos Tiago Lourenço que, tal como o seu sócio Ricardo Araújo, trocou Lisboa pela região de Idanha-a-Nova. “Na cidade, não tínhamos tempo. Aqui é o tempo que dita o nosso ciclo.”

Há 3 anos, Tiago e Ricardo mudaram de vida para recuperar um olival abandonado num território desertificado. Arrendaram 180 hectares da propriedade Marrocos e começaram a produzir um azeite biológico chamado Egitânia, recuperando o nome que os visigodos deram a Idanha-a-Velha.

O azeite Egitânia é especial, porque provém de olivais centenários e de três variedades de azeitona específicas da Beira Baixa: Galega, Bical e Cordovil. Além disso, são olivais tradicionais de sequeiro, ou seja, não dependem de regadio como os olivais intensivos que se vão espalhando por Portugal.

Tiago e Ricardo introduziram também na quinta o pastoreio de ovinos – como se fazia antigamente – nomeadamente duas raças ameaçadas: o merino da Beira Baixa e o merino preto. São estas ovelhas que controlam as ervas e os rebentos basais que crescem nos olivais ou, como nos disse Tiago, “são os nossos trabalhadores rurais”. O seu estrume é ainda aproveitado para fertilizar os solos “esqueléticas” da quinta onde, em breve, também serão introduzidos processos de retenção de água, para combater a seca que ameaça a região.

O simpático Mathias, um suíço que se mudou para Idanha para ajudar na quinta onde se produz o azeite Egitânia. Durante os meses de verão, trabalha na Suíça, para juntar algum dinheiro.

“Arrependo-me é de não ter deixado a cidade mais cedo… Aqui consigo sentir o lugar, sentir o meu coração.”

Não é fácil. A produção destes olivais centenários é bem menor do que a dos olivais intensivos, além de ser mais lenta e trabalhosa, o que se reflete no preço mais elevado do azeite. A diferença, porém, nota-se também na qualidade excecional do mesmo, maioritariamente exportado para a Suíça, França e Holanda.

Tiago e Ricardo, contrariam, assim, a desertificação acentuada e o abandono das terras no nosso país. São um exemplo de que é possível inovar dentro da tradição e fazer agricultura de um modo ao mesmo tempo lucrativo e ambientalmente sustentável.

Quando perguntámos a Tiago Lourenço se não se arrependia de ter deixado Lisboa, respondeu-nos: “Arrependo-me é de não ter deixado a cidade mais cedo… Aqui consigo sentir o lugar, sentir o meu coração.”

Compostagem com que se enriquece os solos “esqueléticos” da Beira Baixa

Azeitonas biológicas acabadas de apanhar. Sabia que, em Portugal, a cultura da oliveira vem da época dos romanos e visigodos? Foram, todavia, os árabes que a desenvolveram. A palavra azeite vem do árabe “az-zait”, que significa “sumo de azeitona”.

Como poderá conhecer o azeite da Beira Baixa enquanto visitante

  1. Realizando uma visita guiada ao olival centenário onde se produz o azeite Egitânia e/ou fazer uma prova de azeite orientada. No início de Novembro, poderá ainda testemunhar a apanha da “zeitona”, porventura a única atividade rural que ainda motiva os beirões espalhadas pelo país e residentes no estrangeiro a voltar à sua terra e a dar vida aos campos, além de ser uma época de muito convívio;
  2. Visitando o Lagar de Varas de Idanha-a-Velha e o Núcleo de Azeite – Lagares de Proença-a-Velha, para perceber a importância do “ouro líquido” na Beira Beixa e como se produzia antigamente;
  3. Visitando uma cooperativa local, como por exemplo a Cooperativa Agrícola dos Olivicultores do Ladoeiro, para conhecer o processo atual de produção do azeite, desde a receção da azeitona até ao produto final.

Uma das oliveiras centenárias de onde provém o azeite Egitânia. Sabia que as árvores mais antigas de Portugal são oliveiras? Resistentes à seca e de fácil adaptação a terrenos difíceis, são uma presença constante na Beira Baixa, fazendo parte do seu património natural e cultural.

Conclusão

Se gosta de experiências singulares, de propostas culturais inovadoras, de música alternativa… Se tem saudades da vida do campo e de um ritmo de vida mais lento… Se quer redescobrir as raízes do seu país e apoiar ativamente a sua preservação… Se quer revisitar o seu eu interior… Se defende uma visão mais desprendida e ecológica da vida… Vá visitar Idanha-a-Nova e a Beira Baixa. As adufeiras, os organizadores do festival Fora do Lugar, o Tiago e o Ricardo estão à sua espera.

Enquanto visitávamos a aldeia histórica de Idanha-a-Velha, cruzámo-nos por acaso com o Sr. Manuel que ainda colhe azeitonas da forma mais tradicional.

Guia Prático para Visitar a Região de Idanha-a-Nova

Onde (gostámos de) comer

  • Restaurante Típico o Cruzeiro, em Monsanto;
  • Restaurante Helana, em Idanha-a-Nova.

Onde (gostámos de) dormir

Hotel Fonte Santa, ao lado das Termas de Monfortinho.

Também poderá aproveitar para visitar

Depois de apanhadas as azeitonas com varejadores, é preciso separar à mão as folhas e os pequenos ramos que também caem das árvores.

Se desejar saber mais sobre o que visitar ou fazer na Beira Baixa, pode descarregar a APP “Visit Beira Baixa” no Google Play ou Apple Store e ter dicas sempre à mão no seu telemóvel.

O Viagens à Solta visitou o município de Idanha-a-Nova, no fim-de-semana de 23 e 24 de Novembro de 2019, a convite da CIMBB – Comunidade Intermunicipal da Beira Baixa.

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2 Comentários

  1. Muito trabalho que merece ser reconhecido, Portugal hoje é um país que se encontra na primeira escolha para muitos estrangeiros, é uma realidade mas no meu ponto de vista muito do nosso património
    rural passa ao lado de quem nos visita.
    Parabéns aos autores.

  2. Parabéns pelo artigo e pela recomendação. Mal tenha oportunidade vou visitar esta parte do nosso lindo país.
    Continuem a divulgar o que temos de bom e bonito.

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