Na zona sul da Islândia predominam os contrastes entre o mar, as planícies verdejantes e as montanhas íngremes e coloridas com os cumes cobertos de neve. Por uma extensão de aproximadamente 400 km, há estradas imensas que pedem para ser viajadas, montanhas que pedem para ser escaladas, glaciares e cascatas que pedem para ser admirados.

Passámos cerca de quatro dias inteiros divagando no sul, levando ao limite tanto o jipe como as nossas pernas. Subimos montanhas pelo meio de caminhos de pedras e calhaus, aos quais decidiram chamar estradas, tão íngremes e sem qualquer proteção que puseram seriamente à prova os nervos de quem está habituado ao alcatrão. Caminhámos ainda por trilhos sem fim, com o objetivo de atingir uma cascata monumental ou avistar de perto um glaciar.

Locais que visitámos no sul da Islândia

1. Vik

No dia em que chegámos à região de Vik, o tempo estava frio e chuvoso. Fomos à península Dyrhólaey, com a esperança de encontrar “puffins” e outras aves, mas o passeio acabou em desilusão. O vento fustigava-nos severamente! Mesmo com as capas impermeáveis, o desejo sempre presente era de abandonar o local e procurar uma sopinha quente. Não encontrámos os passarecos cómicos, apenas uma espécie de gaivotas que em coro produziam ruídos vindos das profundezas dos infernos. Imagino que este sítio seja lindíssimo, mas com bom tempo.

Praia de areia negra e colunas de basalto

Abandonado o local, partimos em busca das famosas formações basálticas gigantes, na praia de areia negra. Mais uma vez, o tempo estava impossível e quase fui levado por uma onda gigante de água gélida, enquanto fotografava as rochas. Decidimos finalizar por ali o dia e ir descansar para Vik.

Tempo tenebroso

Vik é uma pequena vila pitoresca, com aproximadamente 300 habitantes. Está contida entre o mar, as montanhas e uns altos penhascos, nos quais é normal ver uma bruma ascendente, como se de um fantasma gigante a flutuar se tratasse.

Quando chegámos, procurámos um sítio para comer, tendo sido o café Halldorskaffi o eleito. A sopa de cogumelos estava uma delícia e o prato de salmão com nome impronunciável não lhe ficava atrás. É frequente, nestes locais, as sopas serem “self-service” e dar para repetir. Nada como uma sopinha quente e gostosa depois de um dia gélido e cansativo.

A igreja de Vik

Para os que gostam de compras, em Vik há uma grande loja de derivados de lã, a preços mais aceitáveis do que na capital. A manufaturação é no mesmo edifício, o qual pode ser visitado parcialmente.

Passámos a noite a descansar no Hotel Hofdabrekka, que fica pertinho de Vik. Este hotel, para além do nome engraçado, foi um dos melhores, senão o melhor, em que ficámos no país, com pequeno-almoço a condizer. Outro pormenor curioso deste hotel é a loiça sanitária da marca Valadares.

Alaska Lupine

Depois de recuperadas as energias e uma vez que o tempo melhorou consideravelmente, na manhã seguinte decidimos atacar Vik novamente. Subimos o íngreme penhasco sobranceiro à povoação com o jipe, sentindo as rodas a resvalar, mesmo com a tração às quatro rodas: sempre em primeira, prego a fundo e sem nunca olhar para o precipício sem fim! A chegada ao topo compensou o esforço e acalmou o coração. A vista era magnífica!

Vista do cimo dos penhascos

Toda esta aventura foi tão emotiva que a Sofia acabou por se sentir mal. Foi a forma de testar o serviço de saúde islandês. O Cartão Europeu de Seguro de Doença veio mesmo a calhar. Graças a ele, pagámos apenas uma taxa como se fossemos cidadãos islandeses. Fomos muito bem tratados e no final veio-se a revelar que estava tudo bem. Foi apenas um pequeno susto devido à emoção e à adrenalina.

2. Þakgil

Deixando Vik para trás, fomos em busca do parque de campismo Þakgil, pela estrada 214. De início, a estrada era ladeada por um rio, mas depressa nos vimos cercados por ovelhas em campos verdejantes pastando calmamente ou atravessando-se à frente do nosso jipe, à procura de protagonismo.

Em direção às montanhas, cada vez a subir mais, a paisagem transbordava de cor, variando entre o laranja vivo da terra e o verde claro dos musgos e da vegetação tímida. Foi um verdadeiro prazer assapar por aquela estrada de terra batida, cheia de curvas e contra-curvas, como se fossemos os únicos habitantes do mundo.

Baloiço em Þakgil

Por fim, chegámos a Þakgil, um parque de campismo idílico, aconchegado no sopé das montanhas afiadas, mais parecidas com as garras de um monstro gigante. O parque possui uma zona de cabanas e outra para tendas sobre o relvado luxuriante, ladeado por dois pequenos riachos de água gélida.

Almoçámos petiscos que tínhamos comprado em Vik, nomeadamente cordeiro fumado, numa das várias mesas lá existentes para o efeito. Bebemos da água puríssima diretamente recolhida de um dos riachos. Investigámos a caverna lá existente, que possui uma grande mesa e bancos, um fogão a lenha com chaminé para o exterior, umas grelhas para barbecue e suportes para velinhas a toda a volta.

Reconfortados e com pesar por abandonar aquele sítio magnífico, voltámos à estrada, desta vez fazendo o percurso inverso e, por causa disso, nada aborrecido pois a perspetiva era bastante diferente.

Estrada para Þakgil

Vagueando

Seguimos para Geirland, em busca do seu famoso hamburger de cordeiro, considerado por alguns o melhor da Islândia. Mais com a ajuda da sinalética da estrada do que do GPS, lá encontrámos o restaurante, que afinal também era um hotel rural. Tinha bom aspeto e havia bastante gente já sentada. Demos uma vista de olhos à ementa à procura do afamado hamburger, mas de cordeiro nem menção.

Perguntei à loirinha que nos estava a atender se o hamburger que constava da lista era de cordeiro. Ela manifestou uma expressão de surpresa como se não soubesse do que estávamos a falar. No entanto, sorriu e disse que ia perguntar ao “chef”. A resposta célere foi positiva, tendo sido esse o nosso farto e delicioso repasto. “Sabe a bicho…” – foram as únicas palavras pronunciadas pela Sofia, enquanto aquela carne de borrego bem condimentada e cozinhada na perfeição desaparecia do prato num ápice.

Voltámos à estrada em direção ao alojamento programado para essa noite, o Fosshotel Nupar. Pelo caminho, fomos parando junto às placas que existem ao longo da “Ring Road” indicando os principais pontos de interesse. Destacaram-se um desfiladeiro milenar, um solo de basalto que mais parecia ter sido ladrilhado pelo homem, um campo de lava coberto de musgo verde e as diversas cascatas, sempre presentes.

Desfiladeiro milenar

Já perto da meia-noite, chegámos ao Hotel Nupar. Era a “golden hour”! Pela primeira vez durante a viagem, tínhamos presenciado um pôr-do-sol. Era lindo, cobrindo a paisagem extraterrestre com uma luz magnífica, agigantando as sombras dos rochedos de lava aguçados. Era ao mesmo tempo estranho, dada a hora tardia.

O hotel visto de fora parece um daqueles escritórios pré-fabricados dos estaleiros de obras. Todavia, por dentro, é muito confortável e acolhedor. O nosso quarto tinha janelas gigantes, com vista para as montanhas cobertas de neve.

“Golden Hour” na zona do Hotel Nupar

3. Parque Nacional Skaftafell

Tínhamos grandes expetativas para o dia seguinte, já que o destino era o parque Skaftafell. Este é o maior parque da Islândia e possui o maior glaciar fora do Círculo Polar Ártico.

Em contemplação I

Mais uma vez, o jipe rolava sereno na “Ring Road”, enquanto nós contemplávamos a imensidão das paisagens.

Foi nesta zona que percebemos a razão das pontes parecerem sempre improvisadas. É que, devido às enchurradas gigantes vindas dos glaciares, as pontes são levadas e destruídas como se fossem feitas de palha.

Chegados ao centro de visitantes do parque, deparámo-nos com imensa gente já a fazer caminhadas, embora a manhã ainda estivesse no início. O centro tem um aspeto impecável, possuindo cafetaria, parque de campismo, lojinha, posto de informação e sanitários.

Os jovens que trabalham nestes centros de informação geralmente são muito prestáveis e simpáticos, falando um inglês quase perfeito.

Em contemplação II

Fizemos duas caminhadas no Parque Skaftafell. A primeira, em terreno plano, foi em direção à língua do glaciar Skaftafelljökull e revelou-se uma autêntica aula de geologia (há várias marcas numeradas com a respetiva explicação do que se está a observar). A segunda, com declive acentuado, levou-nos em busca da cascata Svartifoss (cascata preta, em português), situada no interior do monte Skaftafell.

Na base da língua do glaciar Skaftafelljökull, como é habitual na Islândia, há uma lagoa que recolhe a água resultante do degelo, com pequenos icebergs a flutuar. Cheio de entusiasmo, queria caminhar sobre o gelo do glaciar, apesar dos vários avisos alertando para os inúmeros perigos. Certamente que os teria ignorado todos, não fosse a voz da razão da Sofia, insistente a tentar demover-me do meu propósito.

Gelo do glaciar

Na subida em direção à cascata Svartifoss, apanhámos um dos dias mais quentes – quente o suficiente para ter imenso calor mesmo de t-shirt. Dirigimo-nos à cascata pelo caminho mais curto e imediato, com base na consulta feita nos mapas do centro de interpretação.

O trilho é fácil, embora a subir, e está em muito bom estado, sendo a paisagem sempre interessante e agradável. Tendo já visitado algumas das cascatas mais espetaculares da ilha, esta não deixou de surpreender. O seu lençol límpido precipitando-se numa moldura negra de basalto, com formações geométricas regulares é, sem dúvida, um espetáculo único.

Alegadamente, as formações geológicas desta cascata serviram de inspiração para a construção de alguns edifícios da Islândia, sendo o mais notável a igreja Hallgrímskirkja, em Reykjavik.

Svartifoss

Decidimos aproximar-nos, descendo até ao rio resultante da queda de água, onde havia inúmeras pessoas semi-nuas a apanhar sol e a relaxar nas rochas arredondadas pela erosão.

Um casal debatia-se com dificuldades equilibristas em cima de uma rocha no meio do rio, enquanto estudavam a forma de tirar uma foto a eles próprios, com uma câmara que devia custar para cima de 3000€. Ofereci-me para os fotografar, eles sorriram e agradeceram, tendo ficado a foto bem engraçada.

O almoço foi mesmo ali, ao som da cascata: “snacks” de peixe seco islandês, sandes de rosbife e fruta. Com mais energia, fizemos uns desvios do trilho inicial, passando por um miradouro com as habituais vistas de cortar a respiração e umas casas com telhados de turfa.

Casas com telhado de turfa

Voltámos à “Ring Road” em silêncio, refletindo sobre tudo o que tínhamos acabado de presenciar. Aquelas estradas retas sem fim, que parecem não ir a lado algum, absorvem-nos os pensamentos. Mais glaciares, quintas no sopé de cascatas, mais igrejas com telhados de turfa a obrigarem-nos a fazer paragens aqui e ali. O próximo destino era a famosa grande lagoa glaciar, repleta de icebergs: Jökulsárlón.

4. Jökulsárlón

A dada altura começaram a surgir, junto da estrada N1, imensos parques para automóveis. Deixámos passar vários até que decidimos parar e investigar. Algo de invulgar devia haver naquela zona.

Estacionámos o jipe e subimos a pequena colina que nos impedia de ver o que estava do outro lado. Era a Jökulsárlón! Uma lagoa imensa, repleta de blocos de gelo de vários tamanhos e diferentes tons de azul. Passeámos pela beira da água, procurando descobrir formas no gelo e tirando fotos. Reparei que tinha parado o carro muito longe do centro de interpretação. No entanto, decidimos ir a pé até lá, sempre junto à margem. De vez em quando, ouvia-se o ribombar, semelhante a um trovão, quando o gelo quebrava. Para além desses eventos assustadores, predomina um silêncio infinito, ouvindo-se apenas o grasnar de patos que por ali nadam felizes.

Foi este o único elfo que vimos e era de gelo

Com imensa pena, tivemos de abandonar este lugar cedo, pois o próximo hotel tinha um check-in às 20 horas e ainda se encontrava a mais de uma centena e meia de quilómetros.

5. Höfn

Höfn é uma pequena cidade piscatória, famosa pelos seus lagostins. Não a pudemos ver verdadeiramente, pois tanto à chegada como à partida no dia seguinte esteve sempre um nevoeiro cerrado. O jantar foi no Kaffi Hornið, um sítio agradável com empregados simpáticos e atenciosos. Pizza de lagostins e uma espécie de massa de lagostins foram os pratos eleitos e não nos decepcionaram.

No dia seguinte, durante o pequeno almoço, o senhor da “guesthouse” onde ficámos alojados deu-nos boas indicações para o percurso que nos esperava em direção aos “East Fjords” (fiordes do leste), tendo-nos recomendado, de passagem, uma aldeia viking. A pequena aldeia, cercada por uma paliçada, foi construída como cenário para um filme que entretanto ficou sem orçamento. Como tal, permanece abandonada, mas em bom estado de conservação, embora algumas das habitações tenham ficado inacabadas.

A felicidade estampada

Em direção aos “East Fjords”

Tínhamos sido informados que, no caminho para os “East Fjordes”, haveria boas hipóteses de avistarmos renas. Sempre atentos, com os olhos a sondar tudo à volta como se de radares se tratassem, viajámos até Djúpivogur. De renas, nem sinal. Um pouco desiludidos, decidimos abastecer o jipe de combustível e comprar alguma comida, dando de seguida uma volta pela vila.

Djúpivogur é uma localidade pequena, mas cheia de cor e de pontos de interesse. Uma das suas casas mais extravagantes possuía um jardim com centenas de gnomos, outra era uma espécie de museu de “drift wood” e pedras invulgares. Os islandeses adoram “drift wood”. Como não têm florestas, sempre que um tronco chega às praias, depois de meses a vaguear pelo mar, é de imediato considerado um pequeno tesouro.

Próximo da vila está Búlandstindur, uma das montanhas mais curiosas da islândi, consistindo numa pirâmide de base quadrangular, semelhante às construções do Egito.

De volta à estrada, vimos uma grande construção que parecia ser um dos pontos que procurávamos há já bastante tempo. Aproximámo-nos para ver melhor e era, sem dúvida, um dos sítios onde secavam peixe ao sol: o peixe que anteriormente tínhamos comido como “snack”.

Prontos para seguir viagem, reparei nuns vultos ao longe que me chamaram à atenção. “Olha, as renas!” – gritei. Fomos de jipe pelo caminho de terra e pedras até onde pudemos, sem alvoraçar o rebanho. O resto da aproximação foi feita a pé, de câmara em punho.

Era um grupo, ainda jovem, de algumas dezenas de belos e tímidos exemplares. Não conseguimos grande aproximação, pois a mais de 50 metros já os animais começavam a fugir.

Parte do rebanho de renas

A zona montanhosa dos East Fjords estava à nossa espera e nós ansiávamos por mais!

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