Os “East Fjords” (em português, Fiordes do Leste) são uma zona pouco visitada da Islândia. Geralmente, os turistas concentram-se na zona do “Golden Circle” e do lago Mývatn. As razões são compreensíves. Esta é uma das áreas mais remotas e isoladas do país, as estradas são geralmente más e perigosas e não possui outras atrações que não os próprios fiordes.
Este texto relata parte do oitavo, nono e décimo dias da nossa aventura pela Islândia. Dias intensos, percorrendo imensos quilómetros que, se revisitados, teriam certamente sido feitos com mais calma, aproveitando melhor esta zona muito bonita e inóspita.
O nosso itinerário nos “East Fjords”
Deixando Djúpivogur para trás, seguimos caminho pela “Ring Road” em direção aos Fiordes do Leste. As longas estradas retas sem fim davam agora lugar a infindáveis curvas que serpenteavam na base das montanhas, junto ao mar. O nosso plano inicial, exageradamente ambicioso, contemplava passar por praticamente todos os fiordes, mas depressa desistimos dele, uma vez que a estrada se apresentava mais complicada do que antecipáramos.
Optámos, pois, por uma rota alternativa que se dirigia diretamente às montanhas, na direção de Egilsstaðir, a maior cidade do leste.
A estrada 939 segue por um vale lindíssimo, sempre acompanhada por um rio calmo do lado esquerdo, pelo meio de uma garganta de montanhas de cumes brancos. Almoçámos ali mesmo, tranquilamente, naquela esplanada improvisada com vista para a natureza imaculada.
Sonolentos devido à barriga cheia e ao calorzinho do sol, mas empenhados em continuar viagem, subimos a íngreme estrada de montanha em gravilha, com o jipe a reclamar devido ao esforço. Mal chegámos à altitude onde a neve ainda se encontrava por derreter, despertámos e saímos do carro para espernear. Era a primeira neve que encontrávamos na Islândia. Mal sabíamos o que nos esperava mais adiante.
Depois de algumas brincadeiras, o caminho foi sossegado até Egilsstaðir, acenando os dois ao mesmo tempo, com os braços sincronizados, às viaturas com que nos cruzámos. As reações das pessoas eram variadas e curiosas: umas pareciam indiferentes, outras sorriam e acenavam de volta, outras ficavam de queixo caído. Houve ainda uns senhores de idade, numa caravana, que não deviam encontrar vivalma há muito tempo dada a alegria que revelaram ao ver-nos.
1. Egilsstaðir
Egilsstaðir é uma cidade sem grande interesse, servindo como bom ponto de abastecimento para o resto da aventura. Junto à cidade existe o lago Lagarfljót, com forma longitudinal, que não tivemos oportunidade de visitar mas que, segundo parece, possui vários pontos de interesse, nomeadamente piscinas naturais de água quente, como se pode ler num outro artigo deste blog.
2. Mjóifjörður
Enveredámos pela estrada 92 (de asfalto) e pela 953 (de gravilha, imprópria para carros normais) em direção ao fiorde Mjóifjörður. A neve ao lado da estrada foi aumentando de altura até formar autênticas paredes com cerca de cinco metros de altura. Nunca tinha conduzido numa estrada cortada no meio do gelo. A sensação era ligeiramente claustrofóbica. Sentia uma certa euforia e, ao mesmo tempo, receio dada a falta da visibilidade das curvas e a pouca largura da estrada.
3. Borgarfjörður
O próximo destino era Borgarfjörður, a pequena vila conhecida como o reino dos Elfos. Viajámos quão rápido a estrada 94 nos permitia, evitando buracos e abrandando nas “blindhæð” (em português, colina cega ou sem visibilidade). Tirando as dificuldades da estrada, este percurso é muito agradável, passando sempre pelo meio de campos férteis serpenteados por um rio tranquilo que serve de habitat para uma multidão de aves aquáticas. Por várias vezes, tive de fazer travagens para evitar chocar com gansos que se atravessavam a voar à nossa frente. Noutras alturas, voavam ao nosso lado, parecendo que estávamos no filme “Fly Away Home”, em que uma criança lidera uns gansos na sua migração, voando numa asa-delta a motor construída pelo pai.
Terminada a zona pantanosa das aves aquáticas, a estrada deixa de ser asfaltada e ergue-se em direção às núvens, serpenteando como se de um dragão chinês se tratasse. Lentamente, mas de forma segura e calma, o jipe foi subindo as costas do dragão à conquista da sua cabeça.
A dada altura, vislumbrei algo ao longe, no meio da vegetação, parecido com um gato preto. “Olha uma raposa do ártico!” – gritei para a Sofia. Ela teve alguma dificuldade em encontrar o tímido bicho, dada a cor semelhante à do meio e devido à distância a que se encontrava. Ficámos felizes por nos termos cruzado com tão raro animal no seu habitat natural e já a pensar nos “puffins”.
Uma vez no topo da montanha, a estrada desaparece no abismo, com uma inclinação imprópria para fracos do coração. No final da descida, pela garganta montanhosa cheia de cores variadas, a estrada contorna perigosamente o sopé da montanha junto ao mar. Por fim, surgia Borgarfjörður, num fiorde que parecia pintado por um artista inspirado.
Tínhamos lido que aquele era um bom sítio para avistar “puffins”. Deambulámos pela vila pitoresca de casas coloridas e acabámos por perguntar num café se já havia “puffins” na zona. Disseram-nos que já tinham chegado onze casais e indicaram o lugar, que ficava já fora da vila. Achámos graça ao facto de saberem o número exato dos animais.
Partimos, apressados, em direção ao farol que nos tinham indicado. A hora já era tardia e ainda tínhamos de subir a montanha de volta e chegar a outro fiorde, onde iríamos ficar alojados, não fazendo ideia da dificuldade da estrada para o outro lado.
A assapar pela estrada de gravilha, surgiram à nossa frente duas jovens a pedir boleia efusivamente. Paro, não paro? Fiquei indeciso, porque nunca tinha dado boleia a desconhecidos. Quando já estava mesmo em cima delas, travei a fundo. O carro até andou de lado! Apenas uma delas queria boleia para ir buscar o carro que tinham deixado perto do farol. Tinham-no estacionado lá e feito uma caminhada de mais de trinta quilómetros, mas o regresso estava a revelar-se cansativo. Depois dos cumprimentos habituais, ficámos a saber que eram americanas e deram-nos mais indicações sobre a localização dos “puffins” que vieram mesmo a calhar.
No fim da estrada, havia um pequeno porto de pescadores com um farol e um grande monte verdejante, repleto de aves a esvoaçar em seu redor, como se fossem abelhas em volta de uma colmeia. Subimos ao monte e finalmente conseguimos ver de perto os famosos “puffins”. As criaturas têm tanto de engraçado como de irrequieto, sempre a voar de um lado para o outro, tendo sido impossível fotografá-los devidamente. Aquele monte era o ideal para eles, já que possuía covas que serviam de ninhos e tinha acesso priviligeado ao mar onde procuram alimento. Segundo dizem os especialistas, os “puffins”, embora sendo aves migratórias, regressam sempre ao ponto onde nasceram para procriar.
4. Seyðisfjörður
Contentes com tudo o que tínhamos visto durante o dia, partimos em busca do alojamento para essa noite. Tivemos de subir a montanha, depois descer, evitar os gansos voadores e os buracos da estrada, subir novamente outra montanha e, por fim, fazer mais uma descida vertiginosa. Finalmente Seyðisfjörður aparecia no fundo do vale, cercada de cascatas que se precipitavam montanha abaixo.
Esta vila é famosa pelas suas casas coloridas com arquitetura de inspiração norueguesa e por albergar um grande número de artistas. É, sem qualquer dúvida, um dos sítios mais belos da Islândia.
O quarto da “guesthouse” dessa noite tinha uma janela enorme com vista para a montanha, de onde jorrava uma cascata. Que vista magnífica!
A senhora que nos atendeu recomendou-nos que fizéssemos, no dia seguinte, uma escalada a uma espécie de iglôs musicais.
Alegadamente, estas estruturas produzem uns efeitos interessantes caso alguém cante dentro delas em islandês. Nós não achamos nada de especial, mas também só cantámos em português, e mal. Na descida de regresso à vila, encontrámos um par de cadeiras estrategicamente colocadas num monte com vista panorâmica, e por lá ficámos a contemplar aquele lugar surreal.
O dia seguinte avizinhava-se longo, com imensos quilómetros para rolar em estradas em relação às quais não tínhamos pistas relativamente à sua qualidade. Dirigimo-nos para a estrada 85 em direção a um remoto lugar chamado Langanes. O desejo inicial era percorrer a 917, mas vimos no site das estradas que se encontrava cortada na parte de montanha. Como já tínhamos constatado que os islandeses nestas coisas não falham, arranjámos aquele percurso alternativo.
5. Langanes
A estrada para Langanes foi das mais desertas que encontrámos. Durante todo o percurso, o número de carros que se cruzaram connosco não deve ter chegado à meia dúzia. Toda a zona está cheia de quintas abandonadas e outras não muito bem mantidas. A estrada felizmente estava em bom estado, embora grande parte dela fosse de gravilha. A paisagem é bonita embora não surpreendente, parecendo apenas mais do mesmo.
Em Langanes almoçámos um ótimo hamburger completo, cozinhado por umas jovens adolescentes tímidas, numa das típicas estações de serviço. Restaurantes naquela zona não devem abundar, se é que existe sequer algum. Dando uma volta pela pequena aldeia, deparámo-nos com um simulacro de incêndio. Devia ser o evento do ano. Vários bombeiros tentavam acabar com a fumarada que saía de uma pequena cabana, enquanto os residentes observavam como se de um jogo de futebol se tratasse. Este é, sem dúvida, um dos sítios mais isolados do país, especialmente no inverno.
Deixámos aquela bonita península para trás, digirindo-nos às pontas montanhosas que se viam ao longe a entrar mar adentro, em direção a Húsavík. Passámos pelo ponto que se encontra mais a norte da Islândia, sem ter muito para contar, a paisagem era o habitual: montanhas, lava, musgos, campos verdejantes, ovelhas e cavalos.
6. Ásbyrgi
Ásbyrgi fica situado no extremo norte do parque nacional do Vatnajökull. Visto de cima parece uma pegada de ferradura de cavalo, com as suas paredes íngremes de cerca de cem metros de altura e alguns quilómetros de extensão. Apelidado de pegada de Sleipnir, diz-se que o desfiladeiro foi formado quando o cavalo de oito patas de Odin, Sleipnir, pisou com uma das patas o chão. Em toda a zona, a vegetação é abundante e há vários trilhos que poderão ser feitos a pé ou de automóvel. No centro de interpretação, havia, como sempre, imensa informação relevante e assistentes simpáticos. Ásbyrgi é um dos pontos de interesse do circuito conhecido por “Diamond Circle” (em português, Círculo de Diamante).
7. The Whispering Cliffs
The Whispering Cliffs é um parque geológico com formações rochosas invulgares. Depois do trajeto por uma estrada de terra batida poeirenta, sulcada na turfa e ladeada de arbustos, chegámos ao parque, podendo de imediato avistar formações basálticas. Escolhido o trilho, caminhámos um pouco à descoberta sem mapa. Reparámos que havia outro par de caminhantes muito mais bem preparados do que nós. Mapas, GPS, bastões, tudo e mais um par de botas. No entanto, pareciam completamente perdidos, em grande argumentação. Decidimos continuar caminho e reparámos mais à frente que éramos seguidos pelos profissionais. Penso que a nossa presença os ajudou a decidir o caminho.
Este parque é um deleite para quem gosta de rochas com aspeto invulgar. Há de tudo desde grutas até depressões que fazem lembrar rosas, sendo as suas pétalas colunas basálticas. O trilho é de dificuldade baixa sendo, no entanto, necessária atenção para não tropeçar nas inúmeras rochas.
Não foi possível seguir a estrada até à cascata Dettifoss por estar cortada. A visita ficou, assim, para o dia seguinte, depois de darmos a volta pelo lago Mývatn.
É nos “East Fjords” que se situam as vilas mais pitorescas e remotas da Islândia. A estrada, embora cansativa devido às constantes curvas e mau piso, não deve ser impedimento para visitar esta zona fantástica.
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