Faltam poucas semanas e ainda não temos planos para o Verão – comentava eu com o meu companheiro de viagem e de vida. Ele sugeriu que cada um pensasse em três destinos. Assim fizemos, mas nenhum nos convenceu, e passaram-se alguns dias sem que nada acontecesse. Entretanto, recebo um e-mail inesperado, com uma promoção da KLM chamada WOW (Wild On Wednesday). Ao jantar, lanço o desafio para uma viagem que nos poderia levar ao outro lado do mundo: o Japão. «Vamos ao subir ao Monte Fuji?» – proponho em tom de brincadeira. Ele fica baralhado, sorri, mas não diz nada. Faz mais umas pesquisas e então pergunta: «Compramos os bilhetes?». Tínhamos que decidir naquele dia, na meia hora que restava, e assim foi.
As semanas seguintes foram usadas na organização da viagem: alojamento, transportes, locais para visitar… A cada pesquisa saía reforçada a sensação de que seriam, sem dúvida, umas semanas inesquecíveis.
A subida ao Monte Fuji foi sempre um desejo presente. Integrado no Parque Nacional Fuji-Hakone-Izu, trata-se da montanha mais alta do Japão (3.776 metros) e um dos principais símbolos do país. O perfeito formato cónico deste vulcão ainda activo, mas com baixo risco de erupção (a última ocorreu em 1707), e a sua beleza cénica fazem com que seja muito admirado em todo mundo. Perdê-lo e a viagem não ficaria devidamente preenchida.
Entretanto, sou desafiada para fazer a caminhada durante a noite. «À noite?!» – perguntei. «Sim, o Japão é a terra do sol nascente. Conheces outro local melhor do que o topo do Monte Fuji para observar este espectáculo?» – respondeu ele. De facto, para evitar dormir nas cabanas, ou fugir do calor, esta é uma boa opção, já que um dos principais objectivos é ver o Goraiko – O Nascer do Sol Sagrado.
Para os japoneses, o Fuji san (como lhe chamam) não é apenas um monte, é um local sagrado. Por essa razão, antigamente as pessoas não eram autorizadas a subi-lo, pois acreditava-se ser habitado por deuses. Para o proteger, construíram um santuário (Sengen Shrine) que permanecia intocável, sendo apenas admirado à distância. A primeira subida, efectuada por um monge, viria a ser realizada somente no ano 663.
Fonte de veneração e também fonte de inspiração artística, o Monte Fuji foi reconhecido internacionalmente e declarado, em Junho de 2013, Património Mundial da UNESCO. Hoje em dia, sobem ao topo cerca de 300 mil pessoas por ano. Para a ascensão, há actualmente quatro trilhos: Yoshida, Subashiri, Gotemba e Fujinomiya.
Vindos de Tóquio, e querendo seguir viagem para o interior, optámos pela trilho de Yoshida usando a entrada de Kawaguchiko-guchi. Deixámos a bagagem no cacifo da estação e seguimos viagem no pitoresco comboio que nos levaria até ao sopé do Fuji. Estamos perto. Anoitece mas não conseguimos ver o grande vulcão. Chegados a Kawaguchiko, teríamos que apanhar ainda o último autocarro do dia que nos levaria à 5ª estação.
Ao contrário de Tóquio, aqui as ruas estão quase desertas. No exterior da estação, um homem, equipado para escalar montanhas, janta na paragem do autocarro. Quais estrangeiros perdidos, decidimos perguntar-lhe se era ali o local que procurávamos. Num inglês arranhado, diz-nos que sim e, adivinhando ao que íamos, mostra-nos as previsões do tempo, dizendo-nos que são boas para a ascensão. À hora marcada, um autocarro recolhe-nos e iniciamos a subida. A estrada escura reforça a nossa grande expectativa perante o desconhecido. Cerca de 30 minutos depois deixa-nos na 5ª estação, um complexo de apoio com alojamentos, restaurantes, lojas… Está deserta. No dia seguinte, após a ascensão, será uma surpresa vê-la repleta de uma densa multidão.
Chegados à 5ª estação, jantámos no único restaurante aberto. Cá fora, a noite é cerrada como breu. Sabemos que o Fuji está mesmo ali, imponente, mas sem o vermos. Era hora de testar as lanternas e verificar se não faltava nada. Na loja de souvenirs são vendidos os mais variados objectos. Uma das atracções são uns cajados de madeira que podem ser marcados em cada uma das estações (e de grande valor na descida para ajudar a diminuir os impactos nos joelhos). A chegada a cada estação representa o vencimento dos obstáculos passados e presentes da vida. Para assinalar esse momento, em cada uma das estações há um encarregado que queima o bastão com um carimbo aquecido em brasas, numa referência ao fogo.
Tínhamos programado iniciar a ascensão na 5ª estação pelas 22h, para às 5h da madrugada chegar ao topo. Ainda é cedo e o corpo precisa de habituação à altitude. Decidimos descansar um pouco por ali até à hora planeada.
Entretanto, uma família japonesa com dois filhos jovens prepara-se. Decidimos imitá-los. Pedem para lhes tirarmos uma foto e nós pedimos-lhes o mesmo. É o nosso segundo dia no Japão. Achamos piada às poses fotográficas de jovens e adultos e uma vez mais voltámos a imitá-los. Seguem viagem e rapidamente os perdemos de vista.
Estávamos sós. Decidimos seguir o caminho indicado, só que a falta de iluminação deixa-nos por instantes desorientados. «Será por aqui?» – comentávamos. Já tínhamos visto várias pessoas seguirem aquela rota, logo… decidimos prosseguir. Pouco tempo depois, começámos a ouvir algumas vozes e a avistar, montanha acima, luzes em movimento. Estávamos no caminho certo.
O início do trilho é plano, mas rapidamente o cenário muda. Em alguns locais, a inclinação é tanta que a caminhada quase se torna numa escalada. Muito irregular e com muitas rochas, é essencial levar um calçado apropriado e as mãos livres. Caminhe apenas no trilho marcado. Se se desviar do trilho, poderá provocar não só desmoronamento de pedras, mas também destruir o habitat de algumas espécies de vegetação raras. Quando as pedras começam a rolar, o perigo de avalanche de rochas é muito elevado, por isso é fundamental que todos sigam as regras de segurança. É certo que não vemos quase ninguém, mas quando amanhecer verá, como nós, que era pura ilusão.
Até ao topo passará por diversas cabanas: as estações. Estas cabanas da montanha estão abertas 24 horas e funcionam como alojamento, que poderá incluir refeição. Esta é a única opção para pernoita (a montagem de tendas é proibida). À passagem por estes locais, mantenha o silêncio, pois haverá hóspedes a descansar. Aqui poderá adquirir não só comida e bebidas quentes que o ajudarão na reposição rápida de energias, mas também, caso necessite, oxigénio, para prevenir eventuais casos de mal da montanha. Vá prevenido com algum dinheiro, pois não são aceites cartões de crédito ou cheques.
Cada um sobe ao seu ritmo. Devagar, e com pequenas paragens nas estações, a ascensão é gradual. À medida que nos aproximámos do topo, o número de pessoas aumenta, sem se perceber muito bem como. O caminho torna-se cada vez mais estreito e inclinado. A proteção lateral, com umas cordas, ajuda a ascensão. Perto do cume, a passagem por um portal xintoísta delimita a entrada na “recta final”.

A chegada ao topo, ainda de madrugada, permite um descanso e uma última meditação. Já ao alvorecer, com a chegada dos primeiros raios de sol, chega o tão esperado nascer do sol sagrado. O espectáculo é único. A paisagem deslumbrante.
Mas, se pensa que chegou ao topo, desengane-se. Para chegar ao ponto mais alto do Monte Fuji, terá que contornar a cratera e subir até ao observatório. Uma escabrosa subida tratará de o colocar à prova. Ao longo da cratera poderá ainda visitar alguns templos. Por motivos religiosos, ou outros, muitos são os que dão esta volta, outrora realizada por peregrinos (ritual designado de Ohachimeguri).
Finda a visita ao cume, é hora de regressar. Se pensa que foi difícil até aqui, não se iluda, o pior está ainda para vir. Depois de uma noite em claro e o corpo sem descanso, a descida será penosa. O calor começa a apertar, os pés começam a ressentir-se e, quando damos conta, as nossas mãos têm o dobro do tamanho e nosso cérebro já não pensa como deve ser. O caminho, num ziguezague infernal de mil e uma curvas, não tem fim. Olhámos um para o outro e já não dizemos nada. Só queremos um banho, comida e cama. Mas não há nada a fazer senão continuar a descer.
No entanto, nem tudo são más notícias. Agora a paisagem, que não pudemos apreciar durante a noite, revela-se mesmo à nossa frente. A terra árida coberta de cinzas é pintalgada por uma vegetação rara e um trilho rasgado na montanha. São centenas de pessoas de todas as idades para baixo e para cima. Algumas passam por nós a grande velocidade, outras seguem um ritmo mais lento como o nosso. Já não há posição para prosseguir e reinventam-se várias formas de caminhar, inclusive em capicua.
Se planeia subir ao Fuji, não receie nenhuma destas adversidades, pois elas fazem parte do desafio. Tire férias entre 1 de Julho e 31 de Agosto, o período permitido para esta façanha, e viva uma aventura mística na primeira pessoa. Na altura, esteja atento às previsões do tempo, pois as condições meteorológicas na montanha são extremamente variáveis: geralmente o vento é forte e a humidade é alta, por isso agasalhe-se. Saiba que a cada 100 metros de altitude, a temperatura cai cerca de 0,6 graus. No verão, durante o dia, a temperatura no topo ronda os 5º C, mas ao amanhecer poderá ser negativa. A amplitude térmica entre a base e o topo é de 20º C.
Nota: Durante a nossa passagem pelo Fuji, nunca conseguimos contemplá-lo na sua totalidade. Do seu famoso e perfeito formato cónico apenas pudemos apreciar a sua sombra.
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