Dia VIII

Confesso que, quando tracei o percurso para esta viagem, tive dúvidas em relação a Koyasan, mas as fotos que vi do local mostravam uma floresta sombria e mística como eu adoro. Surpreendentemente, a realidade superou as fotografias. Atravessámos a pé (4km, ida e volta) o cemitério Okunoin, o maior do Japão, onde se encontra o mausoléu de Kukai, o fundador do Budismo Shingon. Os seus seguidores acreditam que não está morto, mas a meditar eternamente, daí também desejarem ter os seus restos mortais no cimo deste monte com mais de 800m. Como resultado, existe hoje uma quantidade infindável de figuras e lanternas de pedra, stupas e mausoléus no meio de gigantes cedros centenários: alguns com mais de 600 anos!

Hoje iremos pernoitar num templo que proporciona abrigo a visitantes e peregrinos, em quartos de chão de tatami e paredes de papel. Entretanto deu para experimentar o tradicional banho onsen, ou seja, um banho de imersão a temperaturas boas para fazer ovos cozidos.

Dia IX

Começámos o dia às 6 da manhã com os monges budistas a acordarem-nos para a oração da alvorada. Seguiu-se um pequeno-almoço nada apetitoso à base de arroz, algas e várias outras iguarias pouco próprias para a primeira refeição de um ocidental. Um dia não são dias e faz tudo parte da experiência. Além disso, mais tarde vingámo-nos numa padaria em Hashimoto (saindo da estação, virar à esquerda e andar uns 100 metros) que tem uns bolos deliciosos.

Passámos o resto do dia a viajar para o próximo destino que, fugindo às rotas habituais, não possui linhas de alta velocidade. Um autocarro, um funicular, um comboio expresso e dois regionais (daqueles que param em todas as estações e apeadeiros) – 7 (sete!) horas depois estávamos em Katsuura. Ao longo da viagem, o número de ocidentais foi diminuindo até sermos apenas os dois no meio de pirralhos que iam ou vinham da escola e outros habitantes simpáticos que trocavam de assento connosco para que viajássemos juntos.

Segundo consta, Katsuura é a capital do atum e, como tal, não podíamos deixar de o experimentar. Recomendaram-nos um restaurante cujo nome está escrito apenas em japonês. Confesso que só percebemos qual era, porque era o único nas proximidades. Neste pequeno restaurante familiar, a comida é feita ao vivo por um casal de idade avançada. A ementa, apenas em japonês e sem fotos, colocou de parte a técnica de apontar. Lembrei-me do maguro sashimi (sashimi de atum) e avancei com o pedido, dando a entender que não estava a pescar nada do menu. O senhor fartou-se de parlar e eu, sem nada perceber, olhava para a Sofia, mas ela estava a apanhar bonés como eu. Inisisti no sashimi maguro

A sala estava animada, ao fundo havia uma mesa com cadeiras estilo ocidental, atrás de nós uma com chão elevado de tatami. Nós ficámos ao balcão junto de outras pessoas que vibravam com o jogo de futebol entre o Japão e a Síria enquanto comiam pratos com aspeto delicioso. Finalmente os nossos pratos chegaram e não ficaram muito longe do que tinha pedido: sashimi de atum numa cama de arroz e sopa miso, tudo muito cuidado. Pode parecer aquele tipo de coisa que se diz quando se viaja, mas o sushi (nas suas variantes) e a sopa miso não têm nada a ver com o que vinha habituado.

No fim, usei o telemóvel para traduzir “a comida estava deliciosa” e mostrei-o ao senhor para que lesse. Apreensivo de início e depois num esforço, semisserrando os olhos, lá conseguiu ler. Mudou então totalmente de expressão, desfazendo-se em sorrisos e vénias.

Dia X

Existem duas rotas de peregrinação inscritas na lista de Património da Humanidade da UNESCO: o Caminho de Santiago, em Espanha, e o Kumano Kodo, no Japão. Passámos o dia num dos três destinos sagrados do segundo percurso, chamado Kumano Nachi Taisha.

Grande parte das rotas japonesas de peregrinação já desapareceram devido ao crescimento das cidades. Porém, nas montanhas, continua a haver caminhos difíceis e traiçoeiros, alguns ainda calcorreados por peregrinos. Do nosso plano de viagem constava apenas fazer o pequeno troço Daimon-zaka (o mais conhecido), mas gostámos tanto que acabámos por fazer mais uns quilómetros montanha acima. Daimon-zaka é uma escadaria em pedra com mais de mil degraus, sempre ladeada por cedros centenários. Esta zona é muito calma, em comparação com o resto do país. O silêncio é somente quebrado pelo ruído da cascata Nashi (a mais alta do Japão), pelos corvos e pelos cajados de madeira com uma faixa amarela que alguns visitantes usam.

Ao jantar, voltámos ao restaurante de ontem. Quando entrámos, fomos recebidos com enorme simpatia e reparámos que os donos ficaram orgulhosos de lá termos voltado. “Portogalo” – conseguimos percebê-los a dizer aos outros clientes, recebendo como resposta um “ahhhh!” de admiração. Hoje a escolha foi muito mais fácil: os senhores do restaurante desataram a fazer sugestões. Pelo que percebemos, um dos pratos era o que tinha mais saída e rapidamente entendemos porquê. Apesar disso, fiquei algo baralhado com o facto de ser uma prato de carne, quando servem sashimi de atum maravilhoso. Também houve oportunidade de comer tempura de uns peixes minúsculos e claro, tal como ontem, sashimi, desta vez na versão simplificada com três tipos diferentes de atum.

Dia XI

Li em tempos um texto de um viajante que falava sobre segurança em viagem. Dizia ele que um lugar seguro não é aquele onde se vê polícia, mas onde não se vê. Ele sentia-se seguro quando via janelas das casas sem grades ou crianças a brincar livremente na rua sem terem os pais por perto. Assim é o Japão! Sinto-me seguro e, apesar da barreira linguística, sei que posso contar com a boa-vontade e a simpatia dos japoneses. Não é raro oferecerem ajuda sem que a tenha pedido.

Levantámo-nos ao nascer-do-sol e que belo que ele estava sobre o mar. O objetivo era chegar à abertura do leilão dos atuns, em Katsura, que começava às 7 horas da manhã. Quando chegámos, a surpresa foi grande: o chão estava repleto de centenas de atuns. Que belos peixes e que delicioso sashimi proporcionam. Uns homens arranjavam os animais cortando-lhes as partes que não interessavam, outros sondavam à procura da carne com cor e textura perfeitas, outros enchiam carrinhos de mão com gelo para colocarem os peixes que tinham adquirido.

Depois do pequeno-almoço, viajámos para a pequena cidade de Ise onde se encontram os santuários xintoístas mais importantes do Japão. Inseridos num belo parque, estes lugares de adoração têm um aspeto simples e sem qualquer ostentação – no resto do país geralmente são mais adornados (pintados com cores quentes, por exemplo). Centenas de japoneses deambulavam pelos caminhos de gravilha, parando para fazer as suas orações habituais à frente de cada santuário: fazer uma vénia, oferecer uma moeda, bater as palmas e fazer nova vénia.

Ao final do dia, ainda deu tempo para ir ver o Meoto Iwa, o casal de rochas. Ligadas por uma grossa corda (pesa mais do que uma tonelada) de palha de arroz, estas duas rochas no mar representam a união entre o homem e a mulher, sendo consideradas sagradas.

Dia XII

Estamos em Takayama, cidade conhecida pelas suas destilarias de sake. Foi esta deliciosa bebida alcoólica feita a partir do arroz que me toldou a visão e, como tal, não me alongarei no relato de hoje.

Vamos dormir num ryokan, ou seja, numa estalagem típica japonesa onde os hóspedes vestem yukata (um tipo de kimono mais casual), dormem em quartos sobre um chão de tatami e partilham banhos de água quente. Este tipo de estalagem era muito comum na época medieval. Hoje em dia, é uma alternativa aos hotéis e são especialmente procurados em vilas ou pequenas cidades.

O Japão é perigoso … para a carteira. O artesanato é fantástico, a comida e os petiscos têm todos um aspeto delicioso sendo difícil resistir à tentação. É impossível enumerar a quantidade de sabores diferentes, tanto doces como salgados, que já experimentámos.

Dia XIII

Escrevo desde Kanazawa, uma cidade conhecida por ter um dos jardins mais bonitos e um dos museus mais interessantes do Japão. Ainda não vimos nem um nem outro, apesar de termos acordado às 6 da manhã.

A primeira parte do dia foi passada numa terrinha no meio das montanhas, chamada Shirakawago. Nela ainda há casas de madeira com telhados de palha de arroz em forma de mãos a rezar – como as descrevem por aqui. Ao vivo, continua bonita, rodeada de montanhas cheias de árvores e alguns cumes ainda nevados. Os visitantes, porém, são tantos que a localidade vive para eles durante a maior parte do dia – com as suas fotografias incessantes, selfies, preços inflacionados, ruído, confusão. Não era bem isto que as brochuras vendiam, mostrando uma aldeia mágica.

As viagens são assim mesmo: feitas de altos e baixos. Por isso, da parte da tarde, vivemos um alto à chegada a Kanazawa. As cerejeiras estão floridas, no seu auge, tornando os jardins (já bonitos) ainda mais especiais, os japoneses (já simpáticos) ainda mais sorridentes e a mim e à Sofia (já encantados com o Japão) completamente rendidos.

Visitámos o mercado de comida Omi-sho e podemos afirmar que é um dos nossos favoritos. Felizmente, tínhamos acabado de almoçar, senão ia ser uma desgraça. Tanta comida exótica para experimentar, outra mais familiar, mas em tamanhos nunca vistos. Havia ostras gigantes a 20€ a unidade, uma espécie de caranguejos a 120€, enguias, ouriços do mar, vieiras e peixes variados de que nem sabemos o nome. Tudo pode ser consumido ali mesmo. Também havia carne de vaca japonesa: não a achei cara até perceber que o preço marcado era por 100g e não 1Kg. E fruta, não há? Há, pois. E com bom aspeto. Mas uma meloa, por exemplo, pode custar 20€. Não está mal: em Quioto vimos uma caixa com 3 peças para oferecer que custava 100€!

Dia XIV

Há muito tempo que sabia que a sakura (floração das cerejeiras) era fantástica no Japão, mas teoria é uma coisa, viver algo na primeira pessoa é outra. Ao fim de 14 dias de viagem, presenciámos a sakura na sua plenitude em Kanazawa. Excepcionalmente, os jardins e os parques eram de entrada livre e abriram à noite: havia pessoas felizes por todo o lado, a tirar fotos, a fazer piqueniques ou simplesmente a passear.

Começámos o dia bem cedo, como tem sido habitual, no famoso jardim Kenrokuen. Foi um prazeroso passeio por pequenos lagos cercados de bonsais gigantes que inspiram ao relaxamento e meditação.

Continuámos a andar até ao Museu de Arte Contemporânea do Século XXI, onde existe uma obra que desperta especial curiosidade nos visitantes: uma piscina que, vista de cima, parece normal; só nos apercebemos que não é quando vemos pessoas a caminhar debaixo dela. Quando mais tarde também nós entramos, por baixo, literalmente dentro da piscina vazia, ficamos a saber que a água tem apenas 10 cm de espessura.

À tarde, enquanto fazíamos tempo aguardando pelas iluminações noturnas, encontrámos uma mesa cheia de garrafas de sake num santuário com um ar festivo. Quando nos aproximámos, fomos convidados a experimentar. Beberiquei de várias garrafas, cobrindo apenas o fundo do copo de cada vez. Um senhor já de idade também se dedicou a experimentar, a diferença é que ele enchia sempre o copo. Já meio toldado, continuámos o nosso passeio pela cidade e – com a fome a apertar – acabámos a comer algo que para mim era um pão-de-deus quente com gelado lá dentro.

Pouco depois, um senhor já com alguma idade convidou-nos a visitar uma casa. Insistiu várias vezes, dizendo que era uma casa de chá. Nós, receosos que fosse um japonês marroquino, lá fomos entrando, deparando-nos com uma senhora à nossa espera com vénias. Acabámos por perceber que era uma casa histórica onde se fazia a cerimónia do chá, com divisões pequenas e entradas acanhadas, para que os samurais não conseguissem entrar armados nem pudessem manobrar a espada no seu interior. O tal senhor fazia lá voluntariado e gostava simplesmente de falar com as pessoas. Enquanto nos calçávamos para sair, perguntaram-nos de onde éramos e se falávamos japonês. A Sofia disse que não, só os arigatos e sayonaras do costume. Vendo a cara de desilusão deles, cheguei-me à frentre com um choto mate (espera um pouco) e um kora sai (por favor). Eles perceberam e desfizeram-se a rir.

Chegada a noite, a iluminação colocada para o evento tornou tudo ainda mais especial. Fiquei admirado com as expressões de espanto dos japoneses sempre que viam um cenário de sakura particularmente bonito: “Uaaaaahhh…segoi”, era o que mais se ouvia.

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3 Comentários

  1. Estou a adorar o vosso relato do Japão! E as fotografias são sempre magníficas.

  2. muito bom .
    ao ler o vosso relato relembro-me dos 15 dias que passei nesse maravilhoso pais .
    parabens

  3. I can't understand the text, but your photos are like always not only amazing, but they are also telling a story and that's what I love so much about your photography dear Paulo.

    Looks like you had a great time in Japan!
    Manuel

    P.S. Since I am a landscape photographer I like the title image the most… 😉

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