A vida é levada por dois carros e um deles não o conduzimos nós. – Lídia Jorge
Desde 2017 – altura em demos um passeio de carro pelas cinco Aldeias do Xisto do concelho da Lousã – que queria voltar à aldeia da Cerdeira e ficar numa das casas do Cerdeira – Home for Creativity. Queria sentar-me na varanda de uma casa de xisto a apanhar sol, voltada para as montanhas; queria fazer caminhadas pela serra; queria ouvir o chilrear dos pássaros e a água dos regatos; queria sol, céu azul e primavera. Todavia, nos dois dias que passámos na aldeia, esteve quase sempre a chover e caiu granizo várias vezes.
Chegámos numa sexta-feira de Abril, já passava das nove horas da noite. Atravessámos a serra da Lousã debaixo de chuva e, quando estacionámos o carro à entrada da Cerdeira, o termómetro marcava 4°C. Saí do carro com um nó na garganta, um nó que apertei ainda mais quando quase caí no caminho que liga o parque de estacionamento à aldeia.
Entrámos na receção e depois na nossa casa de xisto encharcados, mas reparaste nas cerejeiras floridas e nas lajes negras debaixo dos teus pés a brilhar? Reparaste como a aldeia ficava bonita ao longe, iluminada por candeeiros? E que bom que foi chegar a uma casa aquecida e tão acolhedora numa noite fria de chuva.
Não tivemos sol durante esse fim-de-semana, mas assim aproveitámos melhor a nossa casa de xisto e sentimo-nos mais próximos um do outro.
Não fizemos caminhadas, mas ficámos a conhecer intimamente a aldeia.
Não desfrutámos da natureza, mas prestámos mais atenção à cerâmica de Vasco Baltazar que decorava a nossa casa.
Não nos deliciámos com cheiros primaveris, mas demorámo-nos ao pequeno-almoço no Café da Videira, envolvidos pelos aromas do pão torrado, do café e dos bolos acabados de fazer.
Não tivemos televisão nem Wifi, mas conversámos mais, fomos ler poemas para a biblioteca da Cerdeira e, pela primeira vez, jogámos a um jogo lúdico juntos, perde o primeiro que derrubar a torre que construímos com pauzinhos de madeira.
Não gozámos de temperaturas amenas, mas acendemos a salamandra de casa.
Não nos sentámos na varanda nem a apanhar sol nem a ver as estrelas, mas ouvimos a chuva, o vento e os trovões lá fora, sentados no sofá e deitados na cama.
Quando o Paulo quer ir dormir, costuma dizer-me: “vamos para o ninho” – e nunca essa frase fez tanto sentido como então.
Guia prático
Localização
A aldeia da Cerdeira fica em plena Serra da Lousã, no distrito de Coimbra, a 2h30 de Lisboa e a 1h30 do Porto. Integra a rede das Aldeias do Xisto e é a mais pequena das cinco do concelho da Lousã.
Breve história
A aldeia da Cerdeira tem mais de 400 anos. No século XX, porém, foi abandonada devido às difíceis condições de vida, faltando, por exemplo, eletricidade, saneamento básico e bons acessos. Foi a escultora alemã Kerstin Thom quem redescobriu a Cerdeira em 1988 e começou a sua recuperação, utilizando materiais locais como a pedra, argila e madeira autóctones. Mais tarde, em 2000, os seus amigos Natália e José Serra juntaram-se no esforço de reconstrução sustentável e ecológica da aldeia. Doze anos depois, inauguraram em conjunto o projeto Cerdeira Village, hoje Cerdeira – Home for Creativity.
O projeto Cerdeira – Home for Creativity
Desde o início, o projeto é simultaneamente um hotel e uma residência de artistas.
Para quem quiser ficar alojado na aldeia, existem nove casas de xisto, com capacidade para entre duas e seis pessoas – casas, essas, recuperadas à imagem do que eram antigamente, mas com todos os confortos modernos, nomeadamente aquecimento central, salamandra, mobiliário de qualidade e cozinhas totalmente equipadas.
Além das casas, há as Residências que funcionam como um hostel, incluindo dois quartos (cada um com seis camas em beliche), dois balneários, sala e cozinha.
Do projeto, fazem também parte o Café da Videira (o único local onde é possível aceder ao Wifi e onde são servidos o pequeno almoço, petiscos e lanches); uma pequena biblioteca (onde se podem requisitar livros e jogos), uma galeria (para quem pretende comprar uma lembrança especial) e ateliês.
Reservar Cerdeira – Home for Creativity
Atividades
O Cerdeira – Home for Creativity convida as pessoas a relaxarem no meio da natureza. Ao mesmo tempo, quem quiser poderá desenvolver o seu lado mais criativo, participando nas oficinas e cursos organizados ao longo do ano, entre outras atividades, nomeadamente:
- Workshops de iniciação (1-2 dias) e cursos de maior duração (5-8 dias) de cerâmica, madeira, artes visuais, escrita criativa, confeção de pratos típicos, atividades para os mais novos, etc (calendário e inscrições no site da aldeia);
- Percursos pedestres (com guias locais ou para fazer sozinho);
- Percursos BTT;
- Roteiros exclusivos para conhecer a região envolvente.
Eventos
O principal evento da aldeia é o Cerdeira à Solta que, em 2019, terá lugar em Setembro. Trata-se de um festival de artes, durante o qual vários artistas convidados decoram a aldeia e realizam exposições, workshops, palestras, conversas e concertos.
Setembro é também uma boa altura para ouvir a brama dos veados, isto é, o som que os veados fazem na época de acasalamento.
Onde comer
- Na própria aldeia da Cerdeira. O café da Videira serve petiscos e lanches. Também poderá reservar jantar, caso não queira cozinhar na sua casa de xisto;
- Restaurante O Burgo, junto das piscinas naturais, da ermida de Nossa Senhora da Piedade e do castelo, a 3 Km da Lousã. Depois de várias tentativas, conseguimos finalmente provar os pratos tradicionais da Serra da Lousã neste restaurante onde normalmente só se consegue lugar se se reservar com bastante antecedência.
Passeio realizado no fim-de-semana de 6 e 7 de Abril de 2019
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Que lindo texto! Estive na Aldeia da Cerdeira recentemente e deixei lá um pedacinho do meu coração. Estava sol, fizemos caminhadas, apreciámos a natureza e desfrutamos de toda a serenidade que só um lugar como a Cerdeira oferece.
Faça sol ou faça chuva, acredito que as casas da Cerdeira são sempre acolhedoras. Um lugar onde pretendo regressar um dia, sem dúvida!
Olá Paulo e Sofia, Parabéns pela publicação desta reportagem. Moro em Belo Horizonte, Minas Gerais. Sou Engenheiro, arquiteto e escritor. Tenho interesse pela cultura e locais inusitados de Portugal. Essas aldeias e outras são lindas. Quem sabe um dia estarei aí para vivenciar tudo isso?
Kleber Auad
Muito bonito ,espero um dia deixar uma de minhas peças nesse lugar