A Mata do Bussaco, além de guardar um dos mais belos hotéis do mundo e um importante património cultural, é uma das maiores reservas de biodiversidade de Portugal, onde existem cerca de 250 espécies de arbustos e árvores, muitas delas seculares.
A mata e o legado dos Carmelitas Descalços
As minhas palavras conduzir-te-ão à Mata do Bussaco, um lugar cheio de árvores, muitas delas plantadas por monges nos séculos XVII e XVIII. Esses monges chamavam-se Carmelitas Descalços – não porque andassem sem calçado, mas porque viviam despojados de bens. À volta da mata, que receberam do bispo de Coimbra em 1628, levantaram uma cerca para se afastarem do mundo e se aproximarem de Deus.
É por uma das portas abertas no alto muro de pedra que ainda rodeia a Mata do Bussaco que vamos entrar no mundo das árvores.
Durante dois séculos, os Carmelitas Descalços viveram em clausura e penitência dentro desse lugar isolado a que chamaram “deserto”. Aí foram construindo diversas estruturas austeras e simples – o Convento de Santa Cruz, ermidas de habitação, capelas e até uma Via Sacra – usando, para tal, os recursos naturais disponíveis, como pedra, madeira e cortiça. Além disso, foram reflorestando o bosque original com cedros-do-buçaco, um cipreste trazido do México, que se tornaria a espécie arbórea mais “célebre” da mata, dado que foi a primeira árvore exótica aí introduzida.
Manhã cedo, enquanto caminhamos sozinhos pela floresta seguindo o Trilho da Água, vamos observando longos cedros-do-buçaco, assim como alguns carvalhos, azereiros e loureiros que restam e descendem da floresta original. Contemplamos os raios de sol que os atravessam e ouvimos numerosas espécies de aves.
Lagos, fontes e jardins
No século XIX, foi decretada a extinção das ordens religiosas em Portugal e os Carmelitas Descalços tiveram de abandonar o Bussaco. Sob a Administração Geral das Matas do Reino, foram então construídos diversos lagos, fontes e jardins, ao mesmo tempo que se introduziram na mata muitas espécies exóticas, como cedros, sequoias, araucárias e eucaliptos.
Continuando a andar, chegamos a três das principais atrações dessa época: os Lagos Grande e Pequeno, a Fonte Fria, cuja água corre entre duas grandes escadarias de pedra e, por último, o Vale dos Fetos, uma zona de sombra onde nos admiramos com o tamanho de vários fetos de porte arbóreo.
Depois de atravessarmos o vale, seguimos em frente e é então que encontramos algumas das árvores mais majestosas do Bussaco, designadamente sequoias e um eucalipto gigante, a árvore mais alta de toda a mata, ultrapassando os 70 metros.
Palácio do Bussaco
Finalmente, em 1888, iniciou-se a construção de um palácio real para a rainha D. Maria I, mesmo ao lado do Convento de Santa Cruz. As obras ficaram concluídas em 1907 mas, dada a difícil conjuntura do país, o palácio acabou por ser convertido num hotel de luxo: o Palace Hotel do Bussaco (confira o preço por noite).
Eis que chegamos, pois, ao Palácio do Bussaco, o qual parece ter saído de um conto de fadas. Contornámo-lo para admirarmos os seus arabescos neomanuelinos e descansamos junto aos canteiros de buxo do Jardim Novo, construído à volta do hotel e do convento em 1886-87.
Floresta Relíquia e Adernal
O Palace Hotel é tão vistoso que consegue enfeitiçar a maioria dos visitantes, ofuscando quase tudo à sua volta. Eu própria já tinha ido ao Bussaco algumas vezes e só tinha visto o hotel e pouco mais. Já sabes, porém, que a riqueza do Bussaco é muito mais abrangente e ainda nem te levei à Floresta Relíquia e ao Adernal, um tesouro natural para muitos desconhecido e a zona de que mais gosto na mata.
A Floresta Relíquia ocupa cerca de 15% da Mata do Bussaco e localiza-se no extremo sudoeste, na zona mais alta, íngreme e rochosa da serra. Por esse motivo, escapou à plantação de espécies arbóreas exóticas, conservando as características típicas da floresta primitiva, anterior à ocupação dos monges.
Para aí chegarmos, seguimos o Trilho da Floresta Relíquia, no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio. Pelo caminho, passamos pelas Portas de Coimbra, a entrada principal na época dos Carmelitas Descalços, de onde se tem uma vista desafogada sobre a paisagem envolvente e, já no regresso, encontraremos o Cedro de São José, o mais antigo de Portugal e, provavelmente, da Europa.
Enquanto caminhamos, identificamos carvalhos, loureiros, medronheiros, azevinhos, sobreiros e pinheiros mansos. São, no entanto, os adernos, um emaranhado de árvores unidas num abraço verde, que nos deixam maravilhados. Vemo-los, pela primeira vez, ao final da manhã e gostámos tanto que, à tarde, voltamos para os observar envoltos pelo nevoeiro, sentindo-nos mais perto, se não de Deus, do mistério que nos transcende.
O Adernal representa uma grande parte da Floresta Relíquia, estendendo-se até ao Miradouro da Cruz Alta, o ponto mais elevado da Serra do Bussaco. Com exceção de umas escadinhas de pedra que o atravessam, é uma área quase intocada pelo homem, tão rara e única que é imediatamente reconhecível.
O angustiante Pinhal do Marquês
Já só me falta levar-te a outro tipo de paisagem existente na Mata do Bussaco: o antigo Pinhal do Marquês da Graciosa. Para o visitar, reentramos na floresta pela Porta de Serpa, dirigindo-nos à Cruz de Vopeliares.
Esta área ocupa 15 hectares e foi uma das últimas a ser integrada no espaço protegido, em finais do séc. XIX. Apesar do seu nome, atualmente restam poucos pinheiros, em virtude da praga que os dizimou em finais de 2010. Devido a isso e à passagem de um ciclone em 2013, esta zona ficou dominada por plantas exóticas invasoras. Hoje em dia, encontra-se em reconversão, com eliminação das invasoras e plantação de espécies autóctones, de modo a potenciar a biodiversidade e reduzir o risco de incêndio.
Apesar das vistas a partir daí serem incríveis, esta zona invadida por acácias e mimosas desilude-nos e entristece-nos. Em comparação com o resto da paisagem, faz-nos, no entanto, perceber a importância de protegermos a natureza e a biodiversidade. Se não o fizermos, em breve só haverá, no nosso país, quer invasoras quer monoculturas desoladoras e altamente inflamáveis de pinheiro-bravo e eucalipto, como as que vemos à volta da mata e no longo caminho até casa.
Guia rápido para visitar o Bussaco
Bussaco: onde fica?
A Mata do Bussaco situa-se no extremo noroeste da Serra do Bussaco, no concelho da Mealhada, centro de Portugal (Google Maps).
Distâncias
- Coimbra: 32,5 km (~36 min)
- Porto: 110 km (~1h10)
- Lisboa: 232 km (~2h20)
Horários
A Mata do Bussaco pode ser visitada diariamente entre as 9h e as 18h (aos fins de semana e feriados, até às 18h30).
Preços
A entrada é gratuita, desde que seja feita a pé (para entrar de carro, é necessário pagar 5 euros).
Mediante agendamento prévio, é possível fazer visitas guiadas ao convento, jardins e mata. Os preços variam entre os 5 e os 7 euros por pessoa.
Informações atualizadas no site oficial: www.fmb.pt
Mapa da Mata do Bussaco
Para não se perder nos 105 hectares de floresta, pode descarregar o mapa da Mata do Bussaco (da autoria da Fundação Mata do Bussaco) ou comprar um na Loja da Mata, situada perto do Bussaco Palace Hotel.
Trilhos na Mata do Bussaco
Toda a Mata do Bussaco é deslumbrante e excelente para caminhadas. Como referimos anteriormente, nós fizemos o Trilho da Água e o Trilho da Floresta Relíquia mas, no total, há 4 percursos pedestres assinalados, nomeadamente:
- Trilho da Água | Circular, 3,3 km, 3h, dificuldade média. Nós começámo-lo na Porta de Serpa;
- Trilho da Floresta Relíquia | Circular, 2km, 2h, dificuldade média. Nós começámo-lo a seguir ao jardim do Bussaco Palace Hotel;
- Trilho Via-Sacra | 3h, dificuldade média;
- Trilho Militar | 3h, fácil.
Dicas:
- Se quiser visitar o Adernal evitando a subida bastante acentuada pelo Trilho da Floresta Relíquia, poderá ir de carro até ao Miradouro da Cruz Alta e daí descer um pouco a pé para o espreitar;
- Se gosta de sossego, aos fins-de-semana e feriados evite a zona central do hotel e opte por fazer um trilho. Isso será suficiente para estar sozinho a maioria do tempo, podendo sentir serenamente a floresta, sem barulho nem confusões.
Onde (gostámos de) dormir perto do Bussaco
| Este hotel de 4 estrelas situa-se na vila termal do Luso, muito perto da Mata do Bussaco, dando inclusive para ir a pé. Uma vez na vila, é impossível não o ver de tão imponente que é. De resto, é tudo grande: desde a receção, ao quarto, à sala de refeições, ao ginásio, já para não falar da gigantesca piscina exterior e do facto de haver várias salas de estar. Poderia ser grande, mas não ser grande coisa, mas é verdadeiramente bom.
Onde (gostámos de) comer perto do Bussaco
- Grande Hotel do Luso | Ficamos alojados em regime de meia-pensão e o buffet de jantar não desiludiu nem em termos de variedade nem de sabor;
- Pedra de Sal | Este pequeno restaurante no Luso não é barato, mas vale bem o dinheiro gasto. Gostámos de tudo o que comemos, com destaque para o “chuleton maturado”, que escolhemos como prato principal;
- Rei dos Leitões | O nosso restaurante preferido na Mealhada.
Não deixe de provar:
- Morgado do Bussaco, um doce à base de noz cuja receita é segredo;
- Água do Luso;
- Leitão e vinho da Bairrada.
Mais natureza nas proximidades
- Grande Rota do Bussaco | Um percurso pedestre e de BTT, com 56 km de extensão, que liga Mealhada, Mortágua e Penacova, tendo como epicentro a Mata Nacional do Bussaco;
- Trilho PR2 – Na Rota dos Moinhos do Bussaco (10,5 km, 3h30, circular, difícil);
- Trilho PR5 – Livraria do Mondego (11,7 km, 4h, circular, difícil). Em alternativa, poderá fazer o Percurso Interpretativo da Livraria do Mondego (800 metros) para admirar esta formação rochosa esculpida pelo rio Mondego ao longo de mais de 400 milhões de anos, cujo nome se deve à semelhança com a disposição de livros numa estante;
- Praia Fluvial do Vimieiro | Considerada um dos locais mais agradáveis de lazer em Penacova, estava em obras quando a visitamos. Ainda assim, é um lugar bucólico com uma fantástica passagem pedonal rente ao rio. Destaque também para o restaurante que aí existe, o Vimieiro – Food Drinks & Friends, cuja comida é tão boa quanto o ambiente e a vista.
Nota final | Mas afinal é “Bussaco” ou “Buçaco”? A grafia atual, logo correta, é Buçaco. O Palace Hotel do Bussaco e a Fundação Mata do Bussaco mantiveram, porém, a grafia antiga. Por isso, nós também decidimos usá-la neste artigo.
Visitámos o Bussaco no fim-de-semana de 26 e 27 Setembro 2020, a convite da inature, uma marca territorial que integra 12 áreas naturais da região Centro de Portugal e que assenta na valorização e consolidação do Turismo de Natureza, em prol da sustentabilidade ambiental, social e económica dos territórios que representa. É cofinanciada pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), através do Programa Operacional Regional do Centro – CENTRO 2020, Portugal 2020 e União Europeia, via PROVERE.”
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Ótimo para um refugio a uma vida metropolitana!
5 estrelas o conteúdo!
Bom dia. Obrigado pela bela descrição do Buçaco. Têm a versão do mesmo texto em Inglês se faz favor? É para uns clientes meus dos Estados Unidos. Obrigado
Não temos. Sorry…
Olá Sofia! Poderia me dizer se estando na Vila de Luso, é fácil e perto ir no Palácio do Buçaco a pé?
Adorei sua descrição e tenho vontade de conhecer, mas não tenho carro, iria chegar em Luso de Trem. Dá pra fazer um bate e volta?
Aguardo !
Obrigada
Olá Maria, nós ficámos alojados no centro do Luso e fomos a pé ao Palácio do Bussaco. É perto e fácil. Da estação de trem é, porém, um pouco mais longe. São cerca de 30 minutos a pé…
Excelente artigo, descrito, efetivamente como se constata na realidade.
Hotel fabuloso, desde a arquitetura, às obras de arte, à decoração, ao serviço e às refeições.Sentimo-nos como uns Reis.
Os passeios pelos trilhos, lembra-nos que somos uns verdadeiros exploradores, da floresta densa com árvores com mais de 50 metros de altura.Imperdível.
Excelente dicas. Casal maravilhoso. Cumprimentos
Acurcio Morgado